terça-feira, 28 de julho de 2009

A galeria de todos!


De reconhecimento nacional e internacional, a Galeria do Rock é o ponto de encontro da diversidade




Localizada no centro da cidade de São Paulo, mais precisamente na Rua 24 de maio, Largo do Paissandu, com entrada também na Avenida São João, a Galeria do Rock é um referencial para todo o tipo de público que admira o cenário musical alheio ao que os meios de comunicação de massa proporcionam. Isso ocorre devido ao fato do local receber pessoas que possuem ideologias e estilos de vida diferentes da grande maioria da população da metrópole.

Com uma estrutura de cinco andares, as lojas do estabelecimento estão distribuídas conforme as mais variadas tribos freqüentadoras do local. Por exemplo, no segundo andar se encontra mais produtos ligados ao pessoal do heavy-metal, ou seja, os metaleiros são os principais usuários do espaço. Enquanto que no quinto andar, os emos encontram seu “habitat natural” através da presença de lojas com roupas e artigos coloridos.

Na galeria também é possível encontrar lojas de CD’s e disco de vinil – que se especializam em divulgar peças raras da música que dificilmente se encontram em outros estabelecimentos –; estúdios de piercing e tatuagem; lojas de artigos esportivos e cabeleireiros. Até mesmo um sex-shop faz parte do contexto da Galeria do Rock.

O início

No final da década de 60, o Brasil sofria uma forte influência cultural européia que atingiu, em especial, a cidade de São Paulo. Desse modo, parte da população com maior poder financeiro se vestia da mesma maneira que os cidadãos do velho continente. Mas a principal característica que os brasileiros trouxeram foram novas tendências e estilos musicais como os Beatles, que estavam no auge de seu sucesso. De certo modo podemos dizer que esses “europeus” foram responsáveis por nos apresentar artistas de vanguarda que até então eram desconhecidos para o público brasileiro. Foi precisamente nesse contexto que surgiu sob a alcunha de Shopping Center Grandes Galerias, a Galeria do Rock.

Já no começo dos anos 70, com a explosão da disco-music, funk e soul-music, a influência norte-americana tomou conta da população paulistana. Foi a época em que as calças jeans boca-de-sino e o cabelo Black-power conquistaram os jovens que estavam sob a influencia de artistas como James Brown e Tim Maia, artista brasileiro que foi fortemente influenciado pela musicalidade yankee. Devido a essa forte influência da cultura americana, os militares, que governavam o país, não viam esse movimento com bons olhos, pois acreditavam que era uma maneira de fazer com que os jovens da época tivessem livre arbítrio para se expressarem, através de suas roupas e estilos musicais que gostavam.

A década de 80 foi considerada pelos historiadores como a “década perdida” devido aos problemas políticos, econômicos e sociais enfrentados pelo país. Na política, ocorria o fim do regime militar, que perdurava desde 1964; no contexto econômico, a crise de petróleo e o aumento da dívida externa fizeram com que o Brasil passasse por uma forte recessão, afetando ferozmente o salário do brasileiro. Esses acontecimentos acarretaram no boom das drogas e no “desnorteamento” dos jovens, que viam a Galeria do Rock como um local para fugirem da realidade em que se encontravam. Assim, as confusões e o tráfico de drogas ganharam espaço ao tomar conta do prédio.

Por causa dessas confusões, os lojistas perceberam que o estabelecimento não era propício para o comércio e começaram a abandonar o local ao verem que a vida deles corria risco. Graças a esses acontecimentos, começou a ocorrer uma degradação do ambiente, transformando-o em ponto de encontro de usuários e traficantes de drogas. Mas o pior é que a administração do lugar não tomou providências para reverter este quadro, o que manchou a imagem e a reputação da Galeria do Rock.

Novos ares

Uma reformulação em diversos sentidos ocorreu há 15 anos atrás. Em 1993, houve mudanças na coordenação da galeria. Isto ocorreu devido a várias reclamações sobre a estrutura do local que punha em risco a segurança de seus freqüentadores. Percebendo estes problemas, Antônio de Souza Neto (Toninho da Galeria), que era freqüentador assíduo do local entrou na justiça e ganhou os direitos de assumir a administração da Galeria do Rock.

Toninho, 57 anos, que já trabalhou como jornalista, sociólogo e psicólogo é amante do rock n’ roll e da cidade de São Paulo. Foram precisamente essas paixões que o motivaram a enfrentar os problemas e dificuldades impostas no início de sua administração, ao realizar iniciativas que mudariam aquela imagem decadente de anos anteriores. “Na primeira semana fizemos alguns eventos, com apresentações de bandas alternativas e desfiles de moda”, informa.

Em relação ao aspecto comercial, Toninho incentivou a vinda de novos lojistas após contratar uma empresa terceirizada para fazer a segurança do local, acabando com a violência que ocorria em anos anteriores. Outra medida foi à diminuição do valor do condomínio. Após essas medidas, o atual síndico começou a trabalhar com a divulgação do estabelecimento ao por em prática seu lado jornalístico. Para isso enviou press-releases para os meios de comunicação e bandas que através de um conjunto de normas o ajudaram a reerguer o lugar.

Com a nova administração já consolidada, o público, não apenas do rock, viu que aquele espaço não era o mesmo dos anos anteriores. Ao perceber isso, Toninho manteve o nome Galeria do Rock, porém não desprezou as outras tribos, como a dos rappers, góticos, emos e skatistas. Vendo a oportunidade de trazer novos nichos, o surgimento de novas lojas foi incentivado pelos administradores. Com isso o local transformou-se em um pólo multi-cultural. “Por conta das mudanças ocorridas, as 150 lojas existentes estão ocupadas, tendo grande fila de espera para ocupação”, explica Toninho.

Pondo o aspecto comercial de lado, a galeria também tem um importante papel antropológico por conta de sua democratização que permite o convívio e a reunião de pessoas com as mais variadas ideologias. Lá, muitos jovens encontram-se não apenas para comprar roupas ou CDs de seus artistas prediletos, mas também para botar a conversa em dia, e quem sabe até descolar uma paquera. “Hoje a Galeria representa uma fase de transição para muitos jovens que acabaram de deixar a infância”, resume.

Essa democratização fez com que o estabelecimento, antes esquecido pela sociedade, ganhasse fama nacional e internacional. Bandas como Capital Inicial, Ramones e Iron Maiden (ver box) já prestigiaram o local, o que acabou por “massagear o ego” dos lojistas, pois estes se sentem orgulhosos ao dizerem que trabalham na Galeria do Rock. Com isso o local é hoje um espaço turístico, visto que pessoas de outros estados brasileiros e de outros continentes consideram a Galeria do Rock como sendo parada obrigatória em visitas a São Paulo.

Hoje com o seu reconhecimento, a atenção dada pela mídia é grande, visto que são feitas diversas matérias e até programas televisivos no estabelecimento. Temos como exemplo as reportagens feitas por grandes veículos brasileiros, como a revista Veja, e os jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo que colocaram a galeria como um expoente cultural da cidade.

Comércio

Primeiramente deve-se ressaltar que não existe um padrão definido pela administração para que as lojas possam abrir suas portas. Lá encontramos lojas de médio porte, e outras que possuem a aparência de serem de bairro. Fato é que a diversidade do local ajuda os comerciantes, que vivem muito por conta da fidelidade de seus respectivos freqüentadores.

Perante os proprietários dos estabelecimentos há um consenso entre ambos: o respeito. Apesar da concorrência, os lojistas são unânimes ao afirmarem que nunca presenciaram nenhuma confusão ou alguma espécie de atrito com os companheiros de profissão. Pelo contrário, existe até mesmo um companheirismo entre eles que ajudam uns aos outros em questões como a falta de materiais.

Já acerca dos produtos, o visitante encontrará diversas camisetas, CDs, calçados e acessórios que representam o estilo e ideologia de cada tribo. Os emos, por exemplo, encontram na loja de Tatiana Vieira, 28, apetrechos e roupas coloridas que agrada também, segundo a proprietária, o público feminino em geral. “Nós nos adaptamos ao público que a freqüenta, mas não criamos problemas com outras tribos que resolvem nos visitar”.

Já pro pessoal do Hip-Hop, o térreo da galeria é repleto de lojas que são especializadas não só em roupas, mas também em objetos como bolas de basquete e uniformes de times da NBA. Além de esportes tradicionais como o basquete, os amantes da adrenalina, como os skatistas, encontra equipamentos, como pranchas, cotoveleiras, joelheiras e até mesmo rolamentos que são difíceis de serem encontrados.

“A vendagem normalmente é boa, mas há épocas em que há uma queda na demanda”, comenta a vendedora Daisy Amorim, 25, da loja Mr. Rap. Esse é mais um dos consensos entre os vendedores, na maioria satisfeitos com os números de vendagens, bem como com a relação com os consumidores.

Existem algumas lojas que lucram ainda mais com produtos fabricados de sua própria marca, como a “Consulado do Rock”, do proprietário Mauro Sinzato, 46. “Temos uma fábrica em São Paulo e distribuímos os nossos produtos para outras cidades do Brasil e do mundo. E ainda somos parceiros de organizadores de eventos”, comenta Sinzato, que tem permissão para comercializar os produtos licenciados de shows de bandas nacionais e internacionais.

Um fato curioso que há nas lojas da Galeria do Rock é a identificação dos donos e vendedores com o ambiente e estilo da tribo a qual pertence o empreendimento. Normalmente são pessoas que entendem e conhecem a ideologia de seus consumidores, e por isso possuem facilidade na hora de vender um determinado produto específico.

Além das lojas especializadas em roupas e acessórios para determinadas tribos, há também estúdios que fazem piercings e tatuagens. Essas lojas conseguem abranger praticamente todas as tribos. “O público é variado, não se restringindo a um determinado grupo. Porém a procura por nossos serviços é maior pelos jovens, que variam entre 16 a 20 anos”, explica Erick Torres, 20. O piercer (profissional da área) ainda lembra que seus serviços são cada dia mais requisitado por conta da diminuição do preconceito.

Tribos urbanas

Como dito anteriormente, a inclusão de outras lojas na Galeria do Rock atraiu um novo público que se sentiu acolhido pelo espaço, que por sua vez está amparado por um sistema de segurança que trata todas as tribos de maneira igual. Por conta disso, a maioria dos freqüentadores sente-se no “quintal de suas casas”. Isto ocorre porque há um clima de respeito ao próximo, independente do estilo musical que ele curte.

Percebe-se esse respeito pela baixa ocorrência de ataques preconceituosos nas dependências da Galeria do Rock. “Eu nunca sofri preconceito dentro da galeria quanto ao meu gosto musical, mas fora daqui sim”, diz Aline Ribeiro, 14, que se assume pertencente ao estilo emo. Em algumas situações, se presencia um diálogo entre pessoas de grupos distintos, como o gótico e o rapper.

Para o gótico Lucas Martins, 18, a Galeria do Rock é um lugar perfeito por causa da democratização que o lugar sofreu nos últimos anos. “Freqüento há seis anos a galeria e visito também lojas não dedicadas ao gótico, apenas por curiosidade”, comenta. Isso também acontece com o estudante Rubens Eduardo, 21, adepto do estilo hip-hop, que estava acompanhado de sua namorada. Ele diz que também visita algumas lojas ligadas a outras tendências. “Já fui numa loja que vende camisetas de rock e até comprei uma para dar de presente ao meu irmão”.

Mas pelo fato do espaço receber uma grande quantidade de tribos urbanas, pessoas não informadas acabam por confundir os estilos dos visitantes. Temos como exemplo a generalização que alguns fazem daqueles que possuem franjas. “Venho poucas vezes aqui na Galeria do Rock, mas quando apareço, sou sempre confundido com um emo por causa da minha franja. Mas não sou nada disso!”, explica Danilo Augusto, 18, que curte um estilo mais alternativo, sem rotulação.

A Galeria do Rock não é apenas um local para quem tem ligação com a música. Diversos consumidores, que não possuem nenhum estilo específico freqüentam o empreendimento apenas para a compra de alguns produtos, como no caso de Nilson Domingues, 32, que trabalha com manutenção de elevadores. “Vou de vez em quando à galeria para comprar uma roupa ou um tênis. É bem melhor comprar por lá porque além de ter um fácil acesso ao produto, os preços não são tão altos que nem nos shoppings”, comenta Domingues. Ou seja, qualquer um pode visitar o local, afinal, a galeria é para todos.


Por Albino Junior, Lucidio Neto e Gustavo Oliveira

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